quinta-feira, 1 de abril de 2010

“MadLeia: CELIBARTÔ DA VIe en flammes Medeia na cova dos leões encontra Daniel (o que será que lhe dá?)”


Loucura e embriaguez, Teatro Joaquim Cardozo, estreia de MadLeia, 21 de novembro de 2009, às 20 horas de uma estrelada noite de lua nova e clima ameno no lendário Casarão da Rua Benfica.
Numa espécie de tratado da inquietação permanente, reflexões sobre o coito maldito, fenomenologia do espírito decaído, entra Henrique Celibi/ MadLeia em cena mais uma vez: pés descalços de Cesária Évora, Bethânia mais. Qual furiosa feiticeira a se equilibrar entre o caricato-grotesco e o lírico mais terno, em água-furtada. Allegro ma non troppo.
O cenário lembra alegres chamas como num de uma peça juvenil, no figurino os tons de uma chama sinistra, princípio de um incêndio, madeira velha ardendo em vida nova- predomina o furta-cor, púrpura avermelhando (Henrique assina a autoria de ambos). Sim: fogo é o elemento medeico-contextualizado aqui.
Enter Jasão: caracterizado em afro-americana versão. Numa das suas entradas ele é Xangô, em outra um malandro em vermelho e branco (capoeirista do anel que tu me deste era vidro se quebrou, o amor...). Suave bailar de uma das mais gratas surpresas no teatro pernambucano: Daniel Silva. Qual Shiva ao redor de uma maladiva. Ele com sua rabeca encanta.
O tecido do texto, a presença cênica de Celibi com sua bagagem de palco que vai aí por três décadas de devoção integral, corpo e alma, envolvem o espectador num registro duplo, múltiplo do caráter cênico, aqui em viés órfico, descida ao Hades promovida pela Companhia do Chiste, sob a égide de Carlos Bartolomeu.
O que se viu nesta estréia foi a revisão do mito de Medeia. Uma releitura místico-antropofágica. Texto-colagem pós-tudo? Celibi, autor inclassificável. Camelô de si mesmo nos desertos, oásis, lama do Rio Capibaribe desaguando na baía da Guanabara. Ele inverte parâmetros, perfura tendências.
A regência de Carolíngea? Magnificat em liturgia profana. Bartolomeu prepara uma máquina Medeia vai se des re construindo, des re velando. Trata-se de uma direção que negocia com o ator e com os técnicos. A maiêutica de Carlos Bartolomeu aplica-se em vários níveis e atinge também a platéia.
O bailado (molejo transatlântico) e a música de Daniel, sua expressão de homem transitando entre a juventude e a maturidade, vão pontuando o monólogo com uma interlocução prepositiva de espírito que fala por enigmas.
 O diálogo com a luz é um caso à parte. O mestre Alberto Trindade faz-se presente na assinatura da iluminação (operação precisa de Marcos Antônio).
Não é um espetáculo óbvio, porque trabalha com o óbvio elevando-o ao catimbó metateatral. Chiste sobre chiste pós-Freud:  
“-Volta, gigolô!”
O intertexto com o brega, jovem-guarda em vez de simplesmente agressivo ao intelecto, ou cachaceira opção, soa como um exercício sobre a obra de arte na era da reprodutibilidade no 3° milênio, Idade Mídia. Tão ardente, no fim da primeira década do resto das nossas vidas sígnicas, contemporâneas de tantos passados e futuros inolvidáveis (em glórias e reveses). Fé, ceticismos e cafunés ausentes e presentes. Regionalismos retorcidos, avesso do bordado, esses palcos onde artistas do divino vão decair: Revivenciais depois da guerra, intervalares e desproporcionais, avesso da cena-pernambucana-caiana-xenhenhém de paixões.

                                                                       MOISÉS NETO

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