sábado, 10 de abril de 2010

CRITICA DE MADLÉIA - POR BRUNO SIQUEIRA

Uma Medéia Pop e Kitsch
Por Bruno Siqueira

MADLEIA. Medéia. Vanderléia. MAD. Mais ou menos DOIDA. Madleia + ou – doida, o mais novo espetáculo de Carlos Bartolomeu, roteirizado e protagonizado por Henrique Celibi, já traz no título o sentido elementar da encenação: a mestiçagem, a transubstanciação, a brasilidade flagrada pelo viés do popular. Mas um popular além da teatralização do popular que os discursos hegemônicos, mesmo contando com menos seguidores agora, ainda insistem em manter. Não o popular domesticado, rural, pré-industrial. Mas o popular urbano, contaminado e transformado pela indústria cultural.
 Do ponto de vista formal, o espetáculo não carrega nenhuma proposta revolucionária. Como diz o próprio encenador no programa da peça, a encenação é “arrancada do surrado ou do repetitivo”. Três são, porém, seus méritos, a meu ver.
 A opção pelo brega, pelo melodramático, pela indústria do entretenimento como traços estilísticos faz com que os elementos da cena se harmonizem em prol de um efeito estético gratificante. O cenário e os adereços de Celibi se afinam muito bem com a proposta da encenação. O vermelho dominante remete ao pathos contido na tragédia grega, mas também, ao mesmo tempo, ao kitsch de alguns dos programas televisivos populares, com direito até a coraçãozinho de pelúcia.
 O segundo ponto positivo do espetáculo consiste na sua mestiçagem. Há muito tempo já nos caiu a ficha de que a originalidade correspondia a um mito romântico, hoje difícil de se sustentar, senão por discursos ideologicamente comprometidos nas relações de poder. Nas tragédias clássicas, por exemplo, vê-se o dramaturgo bebendo na fonte dos mitos. O mérito artístico provinha na forma como os mitos eram focados, recortados, interpretados, renovados.
 Qual a razão de se montar, nos dias de hoje, um texto clássico? No caso de Madleia + ou – doida, por que montar um espetáculo a partir de um motivo clássico? As grandes tragédias gregas lidam com temas ainda muito significativos para nós. No entanto, esses textos são significativos não pelo que significaram para os espectadores há mais de dois mil anos, mas pelo que significam nos dias de hoje. Ou seja, é a leitura contemporânea que dá sentido a um texto escrito há mais de dois milênios.
 Por exemplo, em plena ditadura militar, Chico Buarque e Paulo Pontes, para além de esgotar o conflito individual de sua protagonista (Joana), fazem uma leitura política de Medéia em Gota d’água, ao ambientar a peça num complexo habitacional, a Vila do Meio-Dia, revelando as dificuldades sofridas pela população da periferia, retrato tão adverso da imagem próspera que o governo militar pretendia divulgar do Brasil. 
 A dramaturgia de Celibi em Madleia + ou – doida parte de Medéia e faz uma leitura carnavalizante do mito grego. O olhar do dramaturgo não se fixa nem na psicologia da personagem nem no viés político estrito que a peça carrega, mas na cultura hibridizante que transformará a tragédia de Eurípedes numa colagem de textos de diversas origens e de diversos matizes. Na peça, o dramaturgo grego convive com as seguintes personalidades: Chico Buarque, Paulo Pontes, Vanderléia, Roberto Carlos, Fernando Mendes, dentre outras. Claro que essa convivência se dá em termos de referências textuais.

Trata-se de uma paródia de Medéia, que dessacraliza a tragédia grega, inserindo-a numa cultura do entretenimento, sem, por isso, perder de vista a grande violência do amor, do abandono e do ciúme, temas subjacentes ao texto helênico.
 O terceiro ponto alto do espetáculo é a atuação de Henrique Celibi. Seguro de seu trabalho, a ator dá vida a sua personagem numa interpretação vigorosa, bailando do lamento trágico, aos excessos melodramáticos e ao riso cômico, numa naturalidade própria apenas dos grandes atores.
 Saliente-se também a participação de Daniel Silva, o qual, num excelente trabalho de expressão corporal, representou projeções da personagem Jasão e de forças místicas oriundas, possivelmente, da mente de Madleia. Suas aparições conferiram ao espetáculo grandes momentos de beleza plástica.
 O encontro de dois grandes artistas, Carlos Bartolomeu e Henrique Celibi, resultou num trabalho instigante e representativo na trajetória artística de ambos, afinal Madleia + ou – doida é um espetáculo que descende das antológicas produções do Vivencial, grupo em que os dois participaram significativamente. Mas isso é assunto para outro texto...
 Quanto ao espetáculo em foco, todos os artistas envolvidos estão de parabéns! Neste último sábado, no Marco Zero, a produção da Paixão de Cristo do Recife angariava milhares de espectadores; no Centro Cultural Apolo-Hermilo, Madleia + ou – doida reunia um público numeroso, que se deliciava com o trabalho produzido por Bartolomeu e Celibi. Diante de uma diversidade como a nossa, como conceber outra forma de cultura diferente da que foi oferecida pela encenação? É isto.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Entrevista Exclusiva Com Carlos Bartolomeu Para O PORTAL DO ESCRITOR PERNAMBUCANO:

Por Moisés Neto
Dia 21 de novembro no Teatro Joaquim Cardozo o Recife assistirá a mais uma peça com carpintaria local. É o espetáculo MADLEIA dirigido pelo encenador Carlos Bartolomeu, que também é professor do Dept° de Teoria da Arte da UFPE. Sobre sua profissão ele nos declara: “Ser um encenador se dá em amplo leque de liberdades criativas, técnicas exercitadas, investimento de tempo, recursos etc. ... Todavia, tais circunstâncias podem elas mesmas implodir um projeto criativo. Um diretor autor deve ter em mente a realidade que o cerca e o posicionamento firme de que ele é o contador de histórias, árbitro em um perímetro que convoca seu espírito e o tempo, mais aqueles, e tudo o mais que ele reúne e conduz à reinvenção.
Essa arquitetura pede cumplicidade do público; reconhecimento,
compassividade, entusiasmo, prazer ou surpresa, até mesmo a silenciosa. A história já provou que tanto um quanto outro podem criar valores ou desconhecê-los. Cabe ao encenador ser fiel ao seu jeito especial de revelar ou encobrir. O encenador-professor diferencia-se na medida em que não pode excluir do seu diálogo com os alunos a exposição permanente e transparência. Todos seus atos devem estar ao alcance da crítica, mesmo da crítica fácil, impertinente. Não pode impor seu ponto de vista, mas defender a variedade de pontos de vista. Mesmo sua ironia e tons depreciativos devem estar ao alcance dos discípulos e revelar para eles a humanidade e os sombrios desvãos do conhecimento. O encenador se mascara; o encenador-professor se confessa.”
Bartô, como é chamado pelos amigos, também é dramaturgo e nesta área destaca-se o seu TEATRO SUSPEITO. Dirigiu peças premiadas como PARA UM AMOR NO RECIFE ("A ação se passa na noite de Natal, no calçadão da Praia do Pina. O foco é a cidade do Recife, os personagens são daqui... Acho que isso é uma das coisas mais importantes para o teatro atualmente, tratar da realidade, de coisas próximas ao público", destaca o diretor), e musicais como A ILHA DO TESOURO, que também recebeu vários prêmios da Associação de produtores teatrais. Em setembro de 2009 lançou o livro sobre documentaçã de programas de peças - CARTAS DE PREGO.
Em 1980, o grupo de Teatro Vivencial levou ao palco do Teatro de Santa Isabel (Recife) All Star Tapuias, colagem de textos escritos por ele, Antonio Cadengue, e Guilherme Coelho, que também assinam a direção do espetáculo. Mutilada pelos cortes da Censura Federal, a montagem encerrou suas apresentações no Teatro de Santa Isabel e faz temporada no Vivencial Diversiones. E sobre isso Bartô ainda esclarece: “All star tapuias, foi debate e síntese da visão da escola, o circo e o cabaré (...) apresentávamos os principais manifestos ligados à Semana de 22, como também um manifesto que eu escrevera: o Manifesto quá quá, mixando comicidade e crítica com a política e o sentido dramático do período”.
Para Bartolomeu o Recife que já teve o tempo necessário, para se desvincular do ordenamento, da imposição cultural, externa e não deve ficar comprometido com a repetição dos achados teóricos e práticos de outros centros urbanos (ou não!): “Não creio que procurássemos dar força maior aos estrangeiros; havia teatro local cunhado a partir dos ecos sertanejos e posturas agrestes, uma galeria interessante de tipos e vozes deslocadas das zonas interioranas. Era como não houvesse uma voz teatral das grandes cidades nordestinas. Entre o medievo e a desolação tropical filtrava-se a veia dramatúrgica. Necessitávamos de uma dramaturgia que espelhasse nossa visão, nosso entrelaçamento com o mundo que buscávamos criar, como também o estranhamento que o mundo já erguido por outros, antes de nós, assinalava.”
Bartolomeu também assinou a montagem da peça ATORES DO ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL, uma produção da COMPANHIA DO CHISTE, apresentando três grandes atores: Paschoal Felizola, Rodrigo Cunha e Rogério Bravo. A peça tem dois atos: ATORES DA NOITE (texto de Carlos Bartolomeu) e O CORAÇÃO É UM ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL (texto de Walther Moreira Santos). O pequeno teatro Joaquim Cardoso lotou durante várias sessões e o que se ouvia era o riso solto, descontraído e debochado (deboches escrachados da representação). O cronista Dom Antônio dá o seu depoimento: “O teatro dirigido por Carlos Bartolomeu prova que pode ser feito um teatro alegre, humorador, engraçado, de massa, sem cair na pornografia gratuita. Diverte com escracho e alegria. Debocha com muito humor.”
Carlos afirma: “Uma atitude conscientemente pirata é a origem de nossa canibalizada modernidade. Somos nossa matriz. O teatro feito por nós precisa menos dessa muleta cultural para se resolver enquanto arte. Precisamos sim, revelarmos a nós mesmos, o quanto de subserviente e colonizado existe em nossa artisticidade, quando aquiescemos em reverenciar a continuidade desse modelo. É sempre no outro, no ser ausente, de língua estranha, de costas voltadas pra nós que apontamos nossa busca, imaginamos nosso acerto. Recriamos sempre a ilusão, que tudo é mais próximo quando instalado na casa vizinha, na sala do adversário, no quarto das babás importadas. Estripemos as babás e envenenemos os seus chás. Dificilmente a realidade artística é tomada sob nossa responsabilidade e assumida como nossa cria. Abrimos mão de sermos fabricantes de nossa receita.”
Essa atitude diante do que nossa própria identidade criativa, mesmo aquela que é pirateada ou híbrida. Faz do teatro de Bartolomeu algo que nos traz de volta o jogo, o lúdico, a busca da identidade m como construção individual que se projeta no coletivo enquanto discussão, evolução. O teatro com sua responsabilidade social, mas também como uma brincadeira (“está bem, me proponham a adjetivação: séria!”, desafia-nos o mestre), onde se faz necessário apenas, parceiros, espaço e... toda uma vida! “O dolo é fingirmos acreditar que isso, só é possível no quintal do vizinho.”. Assim Carlos nos coloca em xeque dramático.
Agora vamos a uma entrevista exclusiva com Carlos Bartolomeu para o PORTAL DO ESCRITOR PERNAMBUCANO:
PORTAL- Como você se sente em estreia mais uma vez?
CARLOS BARTOLOMEU- Sinto-me confortavelmente tranquilo. Não tendo mais ilusões sobre minha importância no seio teatral da cidade, conto com meu espírito, e amigos em passagem pra realizar minha dramaturgia. Quero com isso dizer que me sinto livre, desapegado da necessidade que se conjugam a vida de um artista. O fazer artístico para mim, torna-se a cada movimento criativo um caminho de aprendizagem sobre minhas verdades mais interiores. Apesar de minha aplicação à forma, essa deve ser compreendida como a expressão de uma conversação íntima, onde os gestos, palavras e desenhos de movimentos seriam a sugestão possível de algo que em sendo muito próximo, me reenvia para lá de mim.

PORTAL- Medeia é uma peça machista?http://www.portaldoescritorpe.com/imagens/madleia.jpg
CARLOS BARTOLOMEU- Medeia de Eurípedes para mim seria uma declaração afirmativa, embora dolorosa sobre o diferente, o estranho, o obscuro. Uma ritualística acusação sobre a impossibilidade ocidental de reverencia tais máscaras; a cruel negativa de introduzir o diálogo com o a passividade agressiva experimentada pelos muitos ângulos do gênero. A Medeia de Henrique Celibi é a exposição dessa agressividade voltada contra a mente da personagem, a inconsciência de que tal condição é cultural e passível de mudança. Acrescente-se a isso, firulas paródicas, deboche e o aclamar da insanidade que minha encenação instigou.
O mito de Medeia, hoje, esperneia por obra e graça de sua carga infanticida, ao meu ver de menor aporte que o fato dela ter investido contra o poder estabelecido, o masculino, o dogmático, quando apeada de sua associação com o mesmo. Emociona-me pensar que sua destruição foi ditada por sua ignorância sobre o desejo de poder, e a ação física do próprio tempo. O mito arrancada a máscara do feminino oportunista, só deixa para ele, vingança e fuga. Especulo ser esta a razão de tal personalidade ter amparado carreiras em seus momentos duvidosos. Deixo escapar tal "impropriedade" ao lembrar da interpretação de Callas para o Medeia de Pasolini. A ausente presença de Onassis como fermento de sua interpretação pulsa naquela ardente criação.
PORTAL- Quem é Carlos Bartolomeu?
CARLOS BARTOLOMEU- Penso que sou um homem que compreendeu seus limites, que fez de suas repetidas invenções, a sua medida. Honro meu gosto, desgosto e mau gosto, e minha indestrutível capacidade de amor pela poesia das coisas menores, por vezes chatas e sem graça. Revertendo em todos os casos, a falta de ternura pelo simplesmente tolo e humano.
PORTAL- Qual a importância do Vivencial Diversiones (de onde surgiu o ator de MADLEIA (Henrique Celibi) nos dias de hoje ?
CARLOS BARTOLOMEU- Qual seria? Pergunto também eu? Penso que apesar da tentativa de sacralizar o grupo, a coisa que ele deixou pelo menos em mim, foi a alegria da sacanagem, fazer teatro sem compromissos com os enfadonhos do momento político, ou teatral. Amavam o espetáculo, xerocando dramaturgias, permitiram-se reinventar liberdades teatrais e morais.
PORTAL- Apresente Celibi aos neófitos. Quem é esse artista para você?http://www.portaldoescritorpe.com/imagens/celibi.jpg
CARLOS BARTOLOMEU- Celibi é um vivente, não é um sobrevivente. Artista maior entre tantos menores, escritor de textos pra cena teatral, criador visual, báquico intérprete de si mesmo e de outras máscaras imprescindíveis. Foi viveca e não foi. Aprendeu com Beto Dinis a arquitetura de palco. Coreografou vestimentas para corpos do samba em evolução do carnaval carioca e deu luz ao maior sucesso de público de todos os tempos da cena pernambucana: Cinderela a estória que sua mãe não contou. Enfim, um/a MAD LEIA. Ou seria bad?
PORTAL- Você acredita em vanguarda permanente? O teatro do mundo está evoluindo ou só no Recife evolui assim?
CARLOS BARTOLOMEU- Se não for permanente flex não é vanguarda, é retaguarda. Todavia, o fato de pipocar pela manhã não nos permite contabilizar sua realidade como potencia. De fato, temos que esperar o entardecer para conferir sua legitimidade. Ou quem sabe, não seria a simples realidade de nascimento, a sua essência? Por pura sorte, ou proteção dos fados literários, ganha classificação de clássico... Acho que o teatro do mundo acompanha a realidade de seu tempo... O que isso queira considerar, dando muito assunto, mas, é tarde tenho sono e ainda tem três perguntas pra responder.
PORTAL- Sobre o Bartolomeu escritor: o que você está dizendo?
CARLOS BARTOLOMEU- Sou um preguiçoso... Preciso sempre de tempestade e ímpeto. Mas, venho me esforçando pra terminar um certo texto que denominei de TEATRO PRETENSIOSO. Nos Aprendizes em Cena do Centro Apolo-Hermilo, agora em novembro, vocês verão uma amostra, um dos quadros da peça denominado O JOGO DA AMARELINHA.
PORTAL- O que acha da política (Recife/ Pernambuco/ Brasil/ Outros países)?
CARLOS BARTOLOMEU- Em crise de valores, acometida ainda de velhos fantasmas em novas fantasias. No caso brasileiro especificamente, visita-se mais uma vez a infeliz necessidade do pai protetor, do herói maluquinho e da incapacidade crônica de se ler o passado. Salvo melhor juízo, é dando que se recebe é lema, lei e recurso

“MadLeia: CELIBARTÔ DA VIe en flammes Medeia na cova dos leões encontra Daniel (o que será que lhe dá?)”


Loucura e embriaguez, Teatro Joaquim Cardozo, estreia de MadLeia, 21 de novembro de 2009, às 20 horas de uma estrelada noite de lua nova e clima ameno no lendário Casarão da Rua Benfica.
Numa espécie de tratado da inquietação permanente, reflexões sobre o coito maldito, fenomenologia do espírito decaído, entra Henrique Celibi/ MadLeia em cena mais uma vez: pés descalços de Cesária Évora, Bethânia mais. Qual furiosa feiticeira a se equilibrar entre o caricato-grotesco e o lírico mais terno, em água-furtada. Allegro ma non troppo.
O cenário lembra alegres chamas como num de uma peça juvenil, no figurino os tons de uma chama sinistra, princípio de um incêndio, madeira velha ardendo em vida nova- predomina o furta-cor, púrpura avermelhando (Henrique assina a autoria de ambos). Sim: fogo é o elemento medeico-contextualizado aqui.
Enter Jasão: caracterizado em afro-americana versão. Numa das suas entradas ele é Xangô, em outra um malandro em vermelho e branco (capoeirista do anel que tu me deste era vidro se quebrou, o amor...). Suave bailar de uma das mais gratas surpresas no teatro pernambucano: Daniel Silva. Qual Shiva ao redor de uma maladiva. Ele com sua rabeca encanta.
O tecido do texto, a presença cênica de Celibi com sua bagagem de palco que vai aí por três décadas de devoção integral, corpo e alma, envolvem o espectador num registro duplo, múltiplo do caráter cênico, aqui em viés órfico, descida ao Hades promovida pela Companhia do Chiste, sob a égide de Carlos Bartolomeu.
O que se viu nesta estréia foi a revisão do mito de Medeia. Uma releitura místico-antropofágica. Texto-colagem pós-tudo? Celibi, autor inclassificável. Camelô de si mesmo nos desertos, oásis, lama do Rio Capibaribe desaguando na baía da Guanabara. Ele inverte parâmetros, perfura tendências.
A regência de Carolíngea? Magnificat em liturgia profana. Bartolomeu prepara uma máquina Medeia vai se des re construindo, des re velando. Trata-se de uma direção que negocia com o ator e com os técnicos. A maiêutica de Carlos Bartolomeu aplica-se em vários níveis e atinge também a platéia.
O bailado (molejo transatlântico) e a música de Daniel, sua expressão de homem transitando entre a juventude e a maturidade, vão pontuando o monólogo com uma interlocução prepositiva de espírito que fala por enigmas.
 O diálogo com a luz é um caso à parte. O mestre Alberto Trindade faz-se presente na assinatura da iluminação (operação precisa de Marcos Antônio).
Não é um espetáculo óbvio, porque trabalha com o óbvio elevando-o ao catimbó metateatral. Chiste sobre chiste pós-Freud:  
“-Volta, gigolô!”
O intertexto com o brega, jovem-guarda em vez de simplesmente agressivo ao intelecto, ou cachaceira opção, soa como um exercício sobre a obra de arte na era da reprodutibilidade no 3° milênio, Idade Mídia. Tão ardente, no fim da primeira década do resto das nossas vidas sígnicas, contemporâneas de tantos passados e futuros inolvidáveis (em glórias e reveses). Fé, ceticismos e cafunés ausentes e presentes. Regionalismos retorcidos, avesso do bordado, esses palcos onde artistas do divino vão decair: Revivenciais depois da guerra, intervalares e desproporcionais, avesso da cena-pernambucana-caiana-xenhenhém de paixões.

                                                                       MOISÉS NETO