quinta-feira, 1 de abril de 2010

Entrevista Exclusiva Com Carlos Bartolomeu Para O PORTAL DO ESCRITOR PERNAMBUCANO:

Por Moisés Neto
Dia 21 de novembro no Teatro Joaquim Cardozo o Recife assistirá a mais uma peça com carpintaria local. É o espetáculo MADLEIA dirigido pelo encenador Carlos Bartolomeu, que também é professor do Dept° de Teoria da Arte da UFPE. Sobre sua profissão ele nos declara: “Ser um encenador se dá em amplo leque de liberdades criativas, técnicas exercitadas, investimento de tempo, recursos etc. ... Todavia, tais circunstâncias podem elas mesmas implodir um projeto criativo. Um diretor autor deve ter em mente a realidade que o cerca e o posicionamento firme de que ele é o contador de histórias, árbitro em um perímetro que convoca seu espírito e o tempo, mais aqueles, e tudo o mais que ele reúne e conduz à reinvenção.
Essa arquitetura pede cumplicidade do público; reconhecimento,
compassividade, entusiasmo, prazer ou surpresa, até mesmo a silenciosa. A história já provou que tanto um quanto outro podem criar valores ou desconhecê-los. Cabe ao encenador ser fiel ao seu jeito especial de revelar ou encobrir. O encenador-professor diferencia-se na medida em que não pode excluir do seu diálogo com os alunos a exposição permanente e transparência. Todos seus atos devem estar ao alcance da crítica, mesmo da crítica fácil, impertinente. Não pode impor seu ponto de vista, mas defender a variedade de pontos de vista. Mesmo sua ironia e tons depreciativos devem estar ao alcance dos discípulos e revelar para eles a humanidade e os sombrios desvãos do conhecimento. O encenador se mascara; o encenador-professor se confessa.”
Bartô, como é chamado pelos amigos, também é dramaturgo e nesta área destaca-se o seu TEATRO SUSPEITO. Dirigiu peças premiadas como PARA UM AMOR NO RECIFE ("A ação se passa na noite de Natal, no calçadão da Praia do Pina. O foco é a cidade do Recife, os personagens são daqui... Acho que isso é uma das coisas mais importantes para o teatro atualmente, tratar da realidade, de coisas próximas ao público", destaca o diretor), e musicais como A ILHA DO TESOURO, que também recebeu vários prêmios da Associação de produtores teatrais. Em setembro de 2009 lançou o livro sobre documentaçã de programas de peças - CARTAS DE PREGO.
Em 1980, o grupo de Teatro Vivencial levou ao palco do Teatro de Santa Isabel (Recife) All Star Tapuias, colagem de textos escritos por ele, Antonio Cadengue, e Guilherme Coelho, que também assinam a direção do espetáculo. Mutilada pelos cortes da Censura Federal, a montagem encerrou suas apresentações no Teatro de Santa Isabel e faz temporada no Vivencial Diversiones. E sobre isso Bartô ainda esclarece: “All star tapuias, foi debate e síntese da visão da escola, o circo e o cabaré (...) apresentávamos os principais manifestos ligados à Semana de 22, como também um manifesto que eu escrevera: o Manifesto quá quá, mixando comicidade e crítica com a política e o sentido dramático do período”.
Para Bartolomeu o Recife que já teve o tempo necessário, para se desvincular do ordenamento, da imposição cultural, externa e não deve ficar comprometido com a repetição dos achados teóricos e práticos de outros centros urbanos (ou não!): “Não creio que procurássemos dar força maior aos estrangeiros; havia teatro local cunhado a partir dos ecos sertanejos e posturas agrestes, uma galeria interessante de tipos e vozes deslocadas das zonas interioranas. Era como não houvesse uma voz teatral das grandes cidades nordestinas. Entre o medievo e a desolação tropical filtrava-se a veia dramatúrgica. Necessitávamos de uma dramaturgia que espelhasse nossa visão, nosso entrelaçamento com o mundo que buscávamos criar, como também o estranhamento que o mundo já erguido por outros, antes de nós, assinalava.”
Bartolomeu também assinou a montagem da peça ATORES DO ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL, uma produção da COMPANHIA DO CHISTE, apresentando três grandes atores: Paschoal Felizola, Rodrigo Cunha e Rogério Bravo. A peça tem dois atos: ATORES DA NOITE (texto de Carlos Bartolomeu) e O CORAÇÃO É UM ÓRGÃO IRRESPONSÁVEL (texto de Walther Moreira Santos). O pequeno teatro Joaquim Cardoso lotou durante várias sessões e o que se ouvia era o riso solto, descontraído e debochado (deboches escrachados da representação). O cronista Dom Antônio dá o seu depoimento: “O teatro dirigido por Carlos Bartolomeu prova que pode ser feito um teatro alegre, humorador, engraçado, de massa, sem cair na pornografia gratuita. Diverte com escracho e alegria. Debocha com muito humor.”
Carlos afirma: “Uma atitude conscientemente pirata é a origem de nossa canibalizada modernidade. Somos nossa matriz. O teatro feito por nós precisa menos dessa muleta cultural para se resolver enquanto arte. Precisamos sim, revelarmos a nós mesmos, o quanto de subserviente e colonizado existe em nossa artisticidade, quando aquiescemos em reverenciar a continuidade desse modelo. É sempre no outro, no ser ausente, de língua estranha, de costas voltadas pra nós que apontamos nossa busca, imaginamos nosso acerto. Recriamos sempre a ilusão, que tudo é mais próximo quando instalado na casa vizinha, na sala do adversário, no quarto das babás importadas. Estripemos as babás e envenenemos os seus chás. Dificilmente a realidade artística é tomada sob nossa responsabilidade e assumida como nossa cria. Abrimos mão de sermos fabricantes de nossa receita.”
Essa atitude diante do que nossa própria identidade criativa, mesmo aquela que é pirateada ou híbrida. Faz do teatro de Bartolomeu algo que nos traz de volta o jogo, o lúdico, a busca da identidade m como construção individual que se projeta no coletivo enquanto discussão, evolução. O teatro com sua responsabilidade social, mas também como uma brincadeira (“está bem, me proponham a adjetivação: séria!”, desafia-nos o mestre), onde se faz necessário apenas, parceiros, espaço e... toda uma vida! “O dolo é fingirmos acreditar que isso, só é possível no quintal do vizinho.”. Assim Carlos nos coloca em xeque dramático.
Agora vamos a uma entrevista exclusiva com Carlos Bartolomeu para o PORTAL DO ESCRITOR PERNAMBUCANO:
PORTAL- Como você se sente em estreia mais uma vez?
CARLOS BARTOLOMEU- Sinto-me confortavelmente tranquilo. Não tendo mais ilusões sobre minha importância no seio teatral da cidade, conto com meu espírito, e amigos em passagem pra realizar minha dramaturgia. Quero com isso dizer que me sinto livre, desapegado da necessidade que se conjugam a vida de um artista. O fazer artístico para mim, torna-se a cada movimento criativo um caminho de aprendizagem sobre minhas verdades mais interiores. Apesar de minha aplicação à forma, essa deve ser compreendida como a expressão de uma conversação íntima, onde os gestos, palavras e desenhos de movimentos seriam a sugestão possível de algo que em sendo muito próximo, me reenvia para lá de mim.

PORTAL- Medeia é uma peça machista?http://www.portaldoescritorpe.com/imagens/madleia.jpg
CARLOS BARTOLOMEU- Medeia de Eurípedes para mim seria uma declaração afirmativa, embora dolorosa sobre o diferente, o estranho, o obscuro. Uma ritualística acusação sobre a impossibilidade ocidental de reverencia tais máscaras; a cruel negativa de introduzir o diálogo com o a passividade agressiva experimentada pelos muitos ângulos do gênero. A Medeia de Henrique Celibi é a exposição dessa agressividade voltada contra a mente da personagem, a inconsciência de que tal condição é cultural e passível de mudança. Acrescente-se a isso, firulas paródicas, deboche e o aclamar da insanidade que minha encenação instigou.
O mito de Medeia, hoje, esperneia por obra e graça de sua carga infanticida, ao meu ver de menor aporte que o fato dela ter investido contra o poder estabelecido, o masculino, o dogmático, quando apeada de sua associação com o mesmo. Emociona-me pensar que sua destruição foi ditada por sua ignorância sobre o desejo de poder, e a ação física do próprio tempo. O mito arrancada a máscara do feminino oportunista, só deixa para ele, vingança e fuga. Especulo ser esta a razão de tal personalidade ter amparado carreiras em seus momentos duvidosos. Deixo escapar tal "impropriedade" ao lembrar da interpretação de Callas para o Medeia de Pasolini. A ausente presença de Onassis como fermento de sua interpretação pulsa naquela ardente criação.
PORTAL- Quem é Carlos Bartolomeu?
CARLOS BARTOLOMEU- Penso que sou um homem que compreendeu seus limites, que fez de suas repetidas invenções, a sua medida. Honro meu gosto, desgosto e mau gosto, e minha indestrutível capacidade de amor pela poesia das coisas menores, por vezes chatas e sem graça. Revertendo em todos os casos, a falta de ternura pelo simplesmente tolo e humano.
PORTAL- Qual a importância do Vivencial Diversiones (de onde surgiu o ator de MADLEIA (Henrique Celibi) nos dias de hoje ?
CARLOS BARTOLOMEU- Qual seria? Pergunto também eu? Penso que apesar da tentativa de sacralizar o grupo, a coisa que ele deixou pelo menos em mim, foi a alegria da sacanagem, fazer teatro sem compromissos com os enfadonhos do momento político, ou teatral. Amavam o espetáculo, xerocando dramaturgias, permitiram-se reinventar liberdades teatrais e morais.
PORTAL- Apresente Celibi aos neófitos. Quem é esse artista para você?http://www.portaldoescritorpe.com/imagens/celibi.jpg
CARLOS BARTOLOMEU- Celibi é um vivente, não é um sobrevivente. Artista maior entre tantos menores, escritor de textos pra cena teatral, criador visual, báquico intérprete de si mesmo e de outras máscaras imprescindíveis. Foi viveca e não foi. Aprendeu com Beto Dinis a arquitetura de palco. Coreografou vestimentas para corpos do samba em evolução do carnaval carioca e deu luz ao maior sucesso de público de todos os tempos da cena pernambucana: Cinderela a estória que sua mãe não contou. Enfim, um/a MAD LEIA. Ou seria bad?
PORTAL- Você acredita em vanguarda permanente? O teatro do mundo está evoluindo ou só no Recife evolui assim?
CARLOS BARTOLOMEU- Se não for permanente flex não é vanguarda, é retaguarda. Todavia, o fato de pipocar pela manhã não nos permite contabilizar sua realidade como potencia. De fato, temos que esperar o entardecer para conferir sua legitimidade. Ou quem sabe, não seria a simples realidade de nascimento, a sua essência? Por pura sorte, ou proteção dos fados literários, ganha classificação de clássico... Acho que o teatro do mundo acompanha a realidade de seu tempo... O que isso queira considerar, dando muito assunto, mas, é tarde tenho sono e ainda tem três perguntas pra responder.
PORTAL- Sobre o Bartolomeu escritor: o que você está dizendo?
CARLOS BARTOLOMEU- Sou um preguiçoso... Preciso sempre de tempestade e ímpeto. Mas, venho me esforçando pra terminar um certo texto que denominei de TEATRO PRETENSIOSO. Nos Aprendizes em Cena do Centro Apolo-Hermilo, agora em novembro, vocês verão uma amostra, um dos quadros da peça denominado O JOGO DA AMARELINHA.
PORTAL- O que acha da política (Recife/ Pernambuco/ Brasil/ Outros países)?
CARLOS BARTOLOMEU- Em crise de valores, acometida ainda de velhos fantasmas em novas fantasias. No caso brasileiro especificamente, visita-se mais uma vez a infeliz necessidade do pai protetor, do herói maluquinho e da incapacidade crônica de se ler o passado. Salvo melhor juízo, é dando que se recebe é lema, lei e recurso

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